Segundo dia do IV Seminário de Mediação Cultural do Sesc RJ tem debate sobre papel das instituições e das políticas públicas na mediação

Com o tema “Mediação Cultural – A memória é mais que um simples lembrar”, o segundo e último dia do IV Seminário Internacional de Mediação Cultural teve início às 10h30 desta quarta-feira, 12 de novembro, no Auditório da Fecomércio, no bairro do Flamengo, Rio.

Abrindo o dia, a primeira mesa, “Memória cultural, memórias coletivas e novas dinâmicas entre arte e vida”, reuniu Izabela Pucu, curadora, pesquisadora, editora e gestora cultural; Jandir Jr., artista performer e pesquisador; Jessica Gogan, pesquisadora e diretora do Instituto MESA, com mediação do Analista de Artes Visuais do Sesc RJ, Wesley Ribeiro.

Embasada em sua experiência como coordenadora da Escola do Olhar no Museu de Arte do Rio (MAR), no Centro Municipal de Artes Helio Oiticica (CMAHO), entre outras vivências em espaços culturais, Izabela Pucu iniciou uma fala contundente sobre as tensões nas instituições culturais.

Pucu fez um paralelo entre as fragilidades da Educação brasileira e os problemas enfrentados pela Educação dentro das instituições culturais: “No Brasil, a gente reconhece que a Educação é precarizada, não recebe as condições para realizá-la adequadamente. No campo dos museus, a Educação é precarizada dentro das instituições culturais. A mediação não tem poder decisório dentro das instituições como os curadores. É nesse sentido que eu proponho a própria curadoria como mediação: o curador sair desse seu lugar central e se transformar em coadjuvante dos processos de memória e da visibilidade de grupos, comunidades e pessoas invisibilizadas historicamente” – explicou.

A pesquisadora dividiu com o público experiências como a que viveu no ponto de cultura e bloco de Carnaval Loucura Suburbana, no Instituto Municipal de Assistência à Saúde Nise da Silveira, em Engenho de Dentro, Zona Norte do Rio: “o que fiz lá foi criar condições para eles olharem para o próprio legado, apoiei a pesquisa do patrimônio de muitos anos deles, e a saída do bloco pela porta do manicômio tem sido um exercício muito importante de mediação no campo social”.

A fala seguinte foi da irlandesa Jessica Gogan, pesquisadora e diretora do Instituto MESA, localizado em Niterói. Gogan, que já conhecia os outros palestrantes, definiu a mesa como um encontro de “gerações diferentes de uma certa rebeldia na forma de pensar a mediação cultural”.

A pesquisadora citou uma pergunta que Eliane Brum fez para um pescador desalojado de seu rio, visto no documentário “Eu + 1”: “Como pesca um pescador sem rio?”, ao que o pescador respondeu: “Eu sozinho não consigo nada, mas se for ali e chamar mais um, sou eu mais um. Se ele chamar mais um, já sou eu, mais um, mais um”

Gogan se inspirou nessa escala menor para construir “ecossistemas feitos à mão, um mais um”, e institucionalidades mais dirigidas por valores “e realidades de redes de pescadores do que transatlânticos”.

Em seguida, discorreu sobre as sete edições da Revista Mesa, publicação semestral de crítica de arte do Instituto, que conta ainda com atividades como seminários internacionais e laboratórios de formação artística.

Encerrando a rodada de depoimentos, o artista e pesquisador Jandir Jr. leu um e-mail destinado à primeira edição do Seminário, um texto poético em que narrava a performance “Coffee Break”, sobre mediação, que protagonizou na estreia do evento, em 2022: Jandir e Antonio Gonzaga Amador se vestiram como seguranças do espaço e, no momento do coffee break, em lugar de se manterem afastados do público e com postura sisuda, comiam os petiscos e bebiam café como outros visitantes.

Jandir contou que a sua empresa “Amador e Jr. Segurança Patrimonial Ltda.” realiza performances semelhantes a essa em diversos espaços culturais, sempre atuando em situações contrastantes com o considerado “aceitável” para trabalhadores da vigilância: bebendo cerveja na entrada do espaço cultural, dormindo encostado a uma árvore do parque, mergulhando de terno em uma piscina.

O texto do e-mail enviado abarcou ainda outros “detalhes” do cotidiano desses trabalhadores, como acúmulo de funções, trajetos de horas no transporte público e escala de trabalho. Jandir defendeu, ainda, a importância da arte não só como encantamento e beleza, mas também geradora de incômodo, provocação e crítica social.

Depois de um intervalo para o almoço, a mesa da tarde, última do evento, discutiu a “Arte nos contextos das políticas culturais e da memória”. A cicerone Isabella de Salignac anunciou o lançamento da terceira edição da revista de arte Paquetá, do Sesc RJ, e cada participante recebeu um exemplar da publicação.

Compondo o painel, Lia Calabre, pesquisadora da Fundação Casa de Rui Barbosa; Roberta Guimarães, pesquisadora e professora do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais -UFRJ; Rosa Pitaguary, mulher indígena do povo Pitaguary, do Ceará, e coordenadora do Museu Indígena Pitaguary. Felipe Capello, Analista de Artes Visuais do Sesc RJ, conduziu a conversa.

A Cultura como direito de todos os brasileiros foi o mote da fala de Lia Calabre: “Na nossa Constituição, promulgada em 1988, está o Direito à Cultura, e Cultura é tudo que a gente faz. Nós estamos marcados por nossas tradições culturais, forma de vestir, de ler, de fazer… a Cultura faz parte dos direitos fundamentais” – enfatizou.

Calabre argumentou, ainda, que Cultura não se restringe à Arte e suas linguagens: “As políticas públicas de Cultura não devem se centrar unicamente no campo das artes, mas fazer com que o conjunto de saberes do campo da Cultura possa ser contemplado. Festas juninas, rodas de slam, nossas comidas, o trabalho das crocheteiras e as rendeiras, tudo isso precisa ser reconhecido e, a diversidade cultural, fortalecida”.

Seguindo a temática do Seminário, a acadêmica lembrou a necessidade de ações políticas de guarda e resgate de memórias, citando os griôs, figuras de culturas africanas guardiãs e disseminadoras de memórias.

Na sequência, após pedir permissão a seus encantados, como são chamados os ancestrais falecidos em algumas culturas indígenas, e fazer um cântico em homenagem à natureza, Rosa Pitaguary iniciou sua apresentação.

A coordenadora do Museu Indígena Pitaguary, em Pacatuba (CE) fez uma breve retrospectiva sobre os primeiros museus inseridos em territórios indígenas no Brasil, o Museu Magüta, do povo Ticuna, no Amazonas, e o Museu Canindé, desse povo, no Ceará. Rosa relatou que o centro cultural que conta a história do povo Pitaguary foi criado em 2007, mas que no início não havia a concepção de museu, apenas um espaço para guardar artefatos: “Foram colegas do projeto Museando que nos visitaram e disseram ‘isso que vocês criaram é um museu, mas como vocês montaram essa coleção?’ e eu respondi ‘que coleção?’. A gente só pegava as coisas e ia organizando” lembrou, divertindo o público.

Com as discussões e atividades coletivas como inventário participativo, oficinas de museologia social, o olhar de Rosa e outros Pitaguary sobre o museu e suas atividades foi se transformando: “Para nós, o museu não são só quatro paredes com artefatos dentro: nosso território faz parte do museu. O território Pitaguary é, por si só, um museu a céu aberto, onde cada rio, árvore e pedra guardam a memória viva do nosso povo”, definiu.

Rosa contou ainda sobre a importância da oralidade em sua cultura – tradição que trabalha para manter entre crianças e jovens do território: “Eu tinha um tio que dizia ‘Rosa, vocês são nossos livros sem páginas’ e na época eu não entendia, mas estávamos sendo preparados para guardar a memória do nosso povo. Porque no Museu do Ceará [em Fortaleza], há uma série de artefatos que estão sem identificação de qual povo é: Canindé, Tremembé, Pitaguary. Então o nosso museu está escrevendo livros sem páginas nas nossas crianças e nossos jovens”.

E, surpreendendo a audiência, a coordenadora explicou que a relação da comunidade com o museu é tão próxima, que as peças do acervo são usadas no dia a dia: “Às vezes dizem ‘são peças do museu, não podem ser usadas’… a gente usa. Porque nós temos nossos rituais, então o mesmo pote que a gente serve o mocororó [caldo fermentado de caju] é o mesmo que está dentro do museu”.

Encerrando a mesa e a edição 2025 do Seminário de Mediação Cultural do Sesc RJ, foi a vez da pesquisadora e professora do IFCS/UFRJ, Roberta Guimarães, que desde 2007 pesquisa a Pequena África Carioca.

Guimarães abordou a relação entre o que chamou de “memórias sensíveis” coletivas, como crimes, problemas carcerários, entre outros, que por serem recentes, ainda não estão “apaziguadas”.

E propôs: “A própria arte formula políticas públicas e pode impulsionar estratégias sociais”. Uma das ferramentas para isso, segundo a pesquisadora, seriam as fabulações, “possibilidades de inventar mundos a partir de dados históricos. A partir de referenciais do próprio território ou comunidade, contar sua própria história, e isso comove e mobiliza muito mais as pessoas para as fissuras sociais. Um livro comove muito mais que um discurso, por exemplo”.

A acadêmica deu um exemplo prático: “A Pequena África se tornou política pública quando houve a fabulação (criação de história antes não contada) e a publicação do livro ‘Tia Ciata e a Pequena África no Rio de Janeiro’, de Roberto Moura, em 1983”.

O IV Seminário de Mediação Cultural do Sesc RJ é uma parceria com o IFCS da UFRJ, pelo Programa de Pós-Graduação em Etnografia e Crítica Cultural.

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