Lyra de Apolo

Lyra de Apollo – A Banda mais antiga da cidade comemora 150 anos

por Álvaro Martins e Anderson Lins

Se uma banda sozinha faz a cidade toda se enfeitar e provoca até o aparecimento da lua cheia no céu confuso e soturno, crivado de signos ameaçadores, é porque há uma beleza generosa e solidária na banda.

Carlos Drummond de Andrade, Correio da Manhã, 14/10/1966

Quando falamos “banda de música” estamos falando de uma formação que executa sambas, música clássica, maxixes, marchas, chorinho, ópera, MPB, forró, valsas, dobrados sinfônicos e muitos outros gêneros que podem ressoar de seus instrumentos de sopro e percussão. E não há quem não se emocione ou com pelo menos um deles! O que a banda nos oferece é uma variedade enorme de possibilidades, que atendem à diferentes estilos e exigências.

Quem conhece bandas sabe que é muito comum encontrarmos em seus repertórios (sobretudo em bandas mais antigas) aquele arranjo manuscrito, de caligrafia caprichosa e que chegamos a poder jurar que foi escrito à luz de velas por algum de seus antigos membros! Mas há também repertórios moderníssimos, compostos por partituras e arranjos confeccionados via software e compartilhados em aplicativos de redes sociais.

Precisamos lembrar que a tradição e história das bandas se confundem com a própria história da música em nosso país: as primeiras gravações de música em disco no Brasil são de uma banda de música, do corpo de bombeiros do Rio de Janeiro, comandada pelo maestro Anacleto de Medeiros. Essa tradição e diversidade são acompanhados de novidades, de intercâmbio entre novos e antigos membros da banda, que está sempre se renovando. A banda sempre foi um espaço de encontro de gerações, que acolhe e ensina novos alunos para que posteriormente se integrem a ela, que aos poucos também muda em uma intensa dinâmica de mudanças, reformando seus quadros com jovens músicos e artistas.

Muitas vezes essa formação musical constitui o único espaço em pequenas cidades no qual se pode aprender a Música. Em outros contextos, com bandas maiores em maiores cidades constitui uma grande escola de formação musical. Em qualquer desses casos, a Banda é uma casa aberta para quem se interessar em aprender música, e em geral ela própria empresta o instrumento, permitindo as condições para que todos aprendam música, mesmo aquelas pessoas que não tem podem adquirir imediatamente seu próprio instrumento. Não é à toa que se fala da banda como o “Conservatório do Povo”.

A quantidade de talentos descobertos graças à inclusão promovida pelas Bandas não está no gibi. São muitos os músicos de orquestras e bandas militares que iniciaram seu aprendizado em uma banda. O mesmo ocorre com sambistas e músicos populares como os campistas Wilson Batista, Délcio Carvalho, Etienne Samary, Juca Chagas e muitos outros. O próprio Louis Armstrong, um talento inconteste, teve seus primeiros passos com o trompete em uma banda. Para além desses, a banda também contribui muito para o cenário musical local. Assim como uma coisa leva à outra coisa, a presença de bandas estimula a criação local e regional de músicos e grupos independentes, Big Bands, Regionais de Choro e Samba, Charangas, Fanfarras de Carnaval, etc.

Isso tudo sem falar que a tradição das bandas é a apresentação voltada para o povo, em lugares sempre acessíveis, desfilando pelas ruas ou sentada em estilo retreta em algum jardim ou praça da cidade e “Alvoradas”. Assim é fácil entender o motivo pelo qual Drummond afirma que há nas bandas uma beleza generosa e solidária!

Em Campos dos Goytacazes, no interior (mas não tão interior) do Rio de Janeiro, podemos falar dessa beleza generosa com o resgate da história e das atividades da Sociedade Musical Lyra de Apollo, que é a banda mais antiga da cidade e em 2020 completou seus 150 anos de existência e atuação. Com tanto tempo de existência, é certeza que essa história completa não cabe no papel, mas vamos lembrar aqui momentos remoto dela, recordando que foi precisamente em 19 de maio de 1870 que um grupo de apaixonados pela música fundou essa Filarmônica. Entre seus fundadores constam o músico Manoel Baptista Pereira de Castro, que foi o primeiro regente ocupando esse cargo até 1882, o músico e funileiro Rodolpho D’Oliveira, o charuteiro Lourenço Antônio Soares e o funileiro Bernardo Bento Alves. Nesta época, a Lira de Apolo era composta também por músicos dissidentes de outra antiga e pequena banda campista, a Banda de Santa Cecília.

A maioria das bandas de música possui ou possuía estreita relação com a igreja e suas festas, tendo a Lira de Apolo como padroeira o Nossa Senhora da Glória: suas festas comemorativas eram realizadas no mês de agosto, na igreja da Boa Morte. A primeira sede da Apolo, um im´vel alugado na Rua da Constituição nº 37, hoje Av. Alberto Torres. Mas, a Banda a passaria muitos anos sem ter endereço fixo, até que em 1909 surgiu a campanha para aquisição de terrenos. E, graças aos donativos dos músicos e da sociedade em geral em 1912 foi iniciada a construção da Sede da Banda. Tudo isso não deixa dúvidas de que a banda existiu e existe pelo desejo e apreço por parte da população.

O prédio Sede da Lyra de Apollo é a segunda casa de seus músicos! Foi construído com características ecléticas: os trilhos de trem usados nas ferragens da construção foram trazidos da estrada de ferro às escondidas da polícia pelos músicos, assim como as pedras usadas para o alicerce, que foram trazidas do Rio Paraíba do Sul! A inauguração festiva do prédio em 1914 foi o resultado e coroamento da enorme vontade, empenho e paixão dos músicos e dos associados, o seu esplêndido edifício de linhas arquitetônicas arrojadas significou progresso e desenvolvimento Cultural para a cidade de Campos.

Já recebemos ou recepcionamos pessoas historicamente importantes, como o grande maestro e compositor Antônio Carlos Gomes, Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Eurico Gaspar Dutra, João Goulart, Dom Pedro II e a Família Imperial. A Lyra de Apollo esteve presente em todos os grandes acontecimentos de Campos, como a inauguração da Usina Santa Cruz, Liceu de Humanidades de Campos, Teatro Trianon, Biblioteca Municipal de Campos, dentre outros.

Numa manhã de domingo, em 19 de novembro de 1990, a sede da Lyra de Apollo sofre um incêndio, que destrói instrumentos, uniformes, repertório e equipamentos, além de deixar seu prédio em estado quase irrecuperável. Em 2012 as obras de restauração do prédio, tombado pelo Patrimônio Público Estadual, são retomadas pelo presidente e maestro Ricardo de Azevedo e uma Diretoria composta somente por Músicos. É a partir desse gigantesco esforço que a Lyra de Apollo se recusou a deixar que as lutas e o trabalho de seus antepassados se transformassem em cinzas. Parte das aulas oferecidas foi interrompida, mas parte foi mantida na casa dos próprios músicos. Desde então a Banda ensaiou por anos em lugares provisórios, como o Teatro de Bolso, o Museu Histórico de Campos, e muitas vezes na própria rua, mas em 2014, após 24 anos, os ensaios retornaram para o primeiro piso da Sede da Banda.

Hoje a sede da Lyra de Apollo tem concluída a maior parte das obras de restauração, com recursos da própria banda e com apoio de pessoas que a admiram, mas sem nenhum apoio financeiro do poder público. Foi realizada a reestruturação do prédio, restauro do telhado, torres, assoalho, escadaria, portas do segundo andar, banheiro, cozinha, etc. Mesmo com todos os percalços enfrentados até este ano, sobreviveu a Lyra de Apollo. Continuou bela, alegrando a cidade com retretas, apresentações no centro da cidade, em escolas, no Jardim São Benedido, sempre indo às ruas e oferecendo música dos mais diversos tipos para o mais diversos públicos. Toda essa energia fez com que mantivesse forte atuação em concursos de banda, eventos comemorativos em Campos e cidades adjacentes: foi escolhida para participar do Festival Dia da Música, ganhou prêmios e homenagens. Também já retornou com a programação de aulas no próprio prédio e segue formando músicos.

Em 19 de maio de 2020 celebrou-se o aniversário da Banda. Era uma data muito esperada pelos músicos e admiradores, em razão do aniversário de 150 anos da fundação da Lyra de Apollo. Com uma atuação responsável dos músicos, muitos deles pertencentes à grupos de maior risco, as comemorações do aniversário ocorrem de maneira totalmente remota, com a confecção e instalação de uma grande faixa comemorativa em cor amarela no prédio sede. Foi gravado e editado uma execução musical remota de parabéns, juntamente com uma mensagem de feliz aniversário gravada pelo presidente e regente. O mês de maio também contou com uma extensa programação de divulgação de pesquisas e postagens de conteúdo histórico em redes sociais.

Mais recentemente, em conformidade com a orientação e liberação municipais, a Lyra retoma uma parte das aulas e dos ensaios, e inicia estudos preparativos para o projeto de uma Roda de Choro – ansiosa para um retorno seguro ao lugar do qual jamais pretende sair: dos espaços, ruas e praças públicas, de onde ouvidos e olhares atentos possam perceber a beleza solidária e generosa de uma banda!

Parabéns aos Músicos e ao maestro Ricardo Azevedo!
E Viva a Lyra de Apollo a banda mais simpática da cidade!

Serviço:
Dia 17/12 às 20h – Live no canal da Unidade Campos no Instagram

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