Sesc Partituras e o legado de Victor Assis Brasil

Sesc Partituras e o legado de Victor Assis Brasil

Guilherme Carvalho
Regente da Unidade Sesc Quitandinha

Vitor_Assis_Brasil_(wikipedia)
Vitor Assis Brasil. Foto Wikipedia

Foi numa manhã de inverno de 2010 que descobri a importância do saxofonista e compositor Victor Assis Brasil, numa entrevista que realizei com seu irmão gêmeo, o pianista João Carlos Assis Brasil, para o projeto Fala de Música!. O piloto estava sendo gravado num café do Parque Lage.

“Autodidata entusiasmado, de entonação perfeita e técnica irretocável. Ele era o mais talentoso, com certeza”. Esses eram alguns dos elogios usados pelo João Carlos naquele encontro inusitado que nos apresentou muito mais vida e obra do Victor do que a sua própria. Tudo isso, enquanto nos contava orgulhoso a biografia fascinante do mais precoce e efêmero saxofonista brasileiro que se tinha notícia até então. “Charlie Parker morreu aos 34 anos. Victor se foi aos 35. Coltrane, aos 40. Todos eles pássaros que voaram pra longe muito cedo”, ele lamentava.

João Carlos Assis Brasil era um dos músicos brasileiros mais elegantes e atuantes daquele momento, fluindo com uma facilidade imensa entre o clássico e popular. Gravava com todo o mundo e estava sempre nos especiais da TV, ao lado dos músicos mais solicitados do país. Pianista tarimbado acompanhava muita gente bacana como Ney Matogrosso, Zé Renato, Alaíde Costa e Olívia Byington.

No início dos anos 2000, o João apresentava o Instrumental Informal na TVE, que era um programa semanal importante na formação de jovens músicos como eu. Durante a semana, a gente ficava esperando o anúncio dos convidados da vez com entusiasmo.  Sempre de portas abertas para artistas alternativos e grupos de música contemporânea brasileira, a produção trazia muita coisa boa. Lembro-me de assistir pela primeira vez o Água de Moringa (de quem sou fã até hoje) tocando chorinho autoral, e ouvir as flautistas Andrea e Odette Ernest Dias (filha e mãe) tocando duetos de Telemann. Tinha de tudo e era quase tudo de primeira. Até que o programa acabou e o João sumiu por uns tempos.

Escrevemos esse projeto chamado Fala de Música! só pra chegar perto de gente do calibre do João Carlos. Eu e meu parceiro de empreitada na época, Antonio Garcia Couto, jornalista e fotógrafo, que hoje é analista de audiovisual do Sesc Paraty. Na fila estavam Nelson Freire, Arthur Moreira Lima, Arnaldo Cohen, João Donato e Francis Hime. Acho que era um projeto sobre pianistas, mas acabou não rolando o segundo episódio e ficamos só com aquele piloto por anos.

A gente ouvia falar desse saxofonista, mas nunca tinha ouvido um álbum inteiro, comprado um CD (ainda se comprava CD naquela época), ou feito download (via Soulseek que demorava dias pra baixar um álbum completo). Eu não o conhecia direito. Era só um nome importante entre os instrumentistas nacionais. Isso eu sabia. Não sabia que ele era um prodígio. Tratava-se de uma descoberta fantástica!

Para quem quiser começar a experimentar um pouco da música do Victor, indico dois álbuns fundamentais: O primeiro deles é Desenhos , de 1966, primeiro álbum solo que lança no mercado um som muito exclusivo desde o início; O segundo é Jobim, álbum que exibe um saxofone com uma sonoridade muito brasileira e super original. O LP Jobim, era a demonstração de uma capacidade de desconstrução material das referências musicais que marcava o jazz mundial naquela mesma época, especialmente a partir de 1960. O que nos mostrava o quanto esse artista estava conectado com a produção musical mais vanguardista no mundo da música. Victor teve apenas nove álbuns lançados, alguns deles póstumos. É pouco se comparado a Charlie Parker ou John Coltrane, que lançaram mais de 100 e muito vendidos até hoje.

Graças às iniciativas como a do Sesc Partituras podemos ter acesso à produção excelente deixada por este e tantos outros artistas. O projeto tem difundido a música brasileira contemporânea, clássica e popular, instrumental e vocal, mundo afora.

Entre as suas coleções, há 120 obras do genial Victor Assis Brasil, algumas inéditas, outras, raramente executadas, muitos arquivos de áudio e alguns textos. Trata-se de uma ação muito significativa, capaz de organizar e trazer à tona obras de valor artístico incalculável e material musical de primeira qualidade. Tudo isso bem editado, revisado e disponibilizado gratuitamente pela plataforma a todos que desejarem executar esses repertórios. É só entrar no site que está tudo lá ao dispor de vocês.

Para os jovens instrumentistas de sopro, especialmente os saxofonistas, trata-se de um verdadeiro tesouro educacional. Há alguns estudos, canções, toda sorte de melodias acompanhadas, música de câmara, e até um concerto para piano e orquestra. Victor passeia pela música mundial, com a cabeça no jazz e os pés no samba e no choro. Há obras primas como as melodias de Balada para Nadia e Pedrinho. Também há formas musicais mais abstratas como os encadeamentos de Chords, repleta de nuances em sua harmonia sofisticada e delicada. Recomendo o estudo gradual (lento, afinado e no tempo) dessas três peças a qualquer músico, aspirante ou profissional. Vocês vão se apaixonar, como eu me apaixonei. Experimentem! Vocês podem encontrar também os áudios no YouTube, tocados pelo próprio Victor.

Victor morreu em 1981, vítima de uma doença rara e repentina e deixou todos os colegas sem chão. Aqueles com quem falo dessa entrevista se enchem de orgulho e graça e demonstram grande tristeza com a perda precoce de um artista muito raro. Igualmente raro é um bom registro do Victor ao vivo e em cores. Aqui neste show de 45 minutos, sem cortes e na íntegra sua aparição na primeira edição do Festival Internacional de Jazz de São Paulo, em 1978, fez história no cenário do jazz brasileiro (e na transmissão de concertos para TV, ao mesmo tempo). No mesmo evento se apresentavam nomes radicais da música nacional como Hermeto Pascoal e Egberto Gismonti. Esse talvez tenha sido o principal festival de jazz realizado até os dias de hoje, no país. E lá estava ele!

Pergunto-me como foi só naquela manhã de inverno que tive noção de quem era este que é considerado, por crítica e público, um dos grandes músicos sul-americanos de todos os tempos.

Victor Assis Brasil é patrimônio musical brasileiro. Devemos celebrá-lo sempre e manter sua música viva por muito tempo. Parabéns a toda equipe do Sesc Partituras por cuidar deste legado!

Saiba mais sobre Victor Assis Brasil

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