Maria Firmina dos Reis - Livro - Literatura

Maria Firmina dos Reis – Leia autoras negras!

O primeiro romance do Brasil foi lançado por uma mulher negra, nordestina, educadora e anti-escravagista. O livro de Maria Firmina dos Reis, Úrsula, é considerado a primeira obra abolicionista de nossa literatura. 

Por Suelen Maciel e Vicente Costa
Bibliotecários e Analistas de Literatura

“Salve Pátria do Progresso! Salve! Salve Deus a Igualdade! Salve! Salve o Sol que raiou hoje, Difundindo a Liberdade! Quebrou-se enfim a cadeia Da nefanda Escravidão! Aqueles que antes oprimias, Hoje terás como irmão!”. Este trecho do Hino da Libertação dos Escravos manifesta o desejo por condições plenas de liberdade e igualdade por Maria Firmina dos Reis, compositora desta letra que ilustra a sua veia abolicionista e precursora. A escritora e educadora maranhense teve o pioneirismo como característica marcante em diversas ocasiões de sua trajetória.

Origens e trajetórias

Nascida em São Luís do Maranhão em 11 de novembro de 1822, Maria Firmina dos Reis era filha de Leonor Felippa dos Reis, mulher negra com tonalidade de pele clara (parda), escravizada por negociantes maranhenses entre os séculos 18 e 19. Firmina foi registrada apenas em 1825 tendo como ausente em sua certidão o nome de seu pai. Aos 5 anos de idade mudou-se para a casa da tia Henriqueta, na localidade da vila de São José de Guimarães, em Viamão, no interior de Maranhão, junto de sua mãe. Firmina teve contato com a literatura através do incentivo de sua mãe e primo Francisco Sotero, professor, poeta, jornalista e crítico literário.

Em 1847 Maria Firmina começou a atuar como professora nas escolas primárias, sendo a única pessoa aprovada em concurso, conquistando habilitação para ensino de Instrução Primária. Em 1880 foi aprovada em primeiro lugar em História da Educação Brasileira na província do Maranhão tornando-se Mestra Régia em Letras – nesse sentido, é possível considerarmos Firmina a primeira mulher concursada do Brasil. No mesmo ano foi fundadora da primeira escola mista e gratuita do país, implementada no povoado de Maçaricó, que funcionou até 1882. Depois de três anos, a escola foi fechada, motivada principalmente pelo fato de meninas e meninos estudarem e frequentarem os mesmos espaços, algo incomum para a época, e que causou um choque na sociedade oitocentista maranhense.

Maria Firmina teve uma carreira além das salas de aula. No segmento literário publicou contos, poemas, crônicas e romances, marcando presença constante em jornais do Maranhão, nos quais alguns escritos que formam algumas de suas obras foram publicados em fragmentos, como no jornal Pacotilha. De suas produções literárias, a de maior destaque é Úrsula, romance editado em 1859 com forte posicionamento antiescravagista. A obra ilustra a condição do negro escravizado de forma mais específica do que era comumente publicado no século 19. A autora teve cuidado e preocupação de retratar o panorama escravista tendo como particularidade mostrar os personagens escravizados com a consciência de sua história, cultura e tradições. No século 19, a escrita era uma ação massivamente exercida por homens brancos, sobretudo de posses ou classes dominantes daquele núcleo social. Para ultrapassar barreiras e conseguir lançar o livro, a autora lançou mão de um pseudônimo para assinar a obra: uma maranhense.

Ainda sobre Úrsula, a obra teve sua difusão potencializada nos últimos anos pelas reedições do livro que encontra-se em domínio público e pela atenção dada pela crítica especializada a partir do centenário da morte da autora. Além de ser o primeiro romance de uma escritora mulher no Brasil, atualmente é considerado a primeira obra abolicionista da literatura brasileira, lançada mais de duas décadas antes de Navio Negreiro, de Castro Alves.

No conto A Escrava, a autora também faz alusão a temática da escravidão para narrar a história de uma mulher da alta sociedade que se dedica a salvar uma mulher escravizada. Em tom abertamente crítico ao regime escravocrata, a escritora expõe falas como “A escravidão é e sempre será um grande mal”. A obra foi lançada em 1887, um ano antes da assinatura da Lei Áurea, que decretou a abolição da escravatura no Brasil.

Entre obras de sua autoria, além de Úrsula, a escritora publicou Gupeva, inicialmente difundido no jornal O Jardim dos Maranhenses em 1861; Cantos À Beira Mar, lançado em 1871; A Escrava, publicado através da Revista Maranhense em 1887.

Maria Firmina dos Reis viveu até os 95 anos, e tal qual muitas autoras e autores negros sofreu com o apagamento de sua relevante trajetória e produção em nossa historiografia literária, na história da educação e consecutivamente na história oficial do Brasil. A falta de registros que remetessem a sua representação, fez com que sua imagem fosse embranquecida tal qual aconteceu com Machado de Assis, e associada ao retrato da escritora gaúcha Maria Benedita Câmara. A escritora faleceu em 1917 em Guimarães, no Maranhão. Em sua homenagem, no dia 11 de março é comemorado o Dia da Mulher Maranhense.

Homenagem no Centenário

A Festa Literária das Periferias (FLUP) em sua edição do ano 2018, com apoio do SESC RJ, teve Maria Firmina dos Reis como homenageada. Entre artistas, pensadores e pesquisadores reunidos, o evento trouxe reflexões acerca da ausência da figura da escritora na história do país e a difusão latente de sua produção, mesmo com seu pioneirismo tanto em educação quanto em literatura.

Na abertura da festa literária, a Prof. Dra. e escritora Giovana Xavier e a também escritora e cordelista Jarid Arraes questionaram este apagamento da trajetória de Maria Firmina que não nos é apresentada nas escolas. Jarid citou a dificuldade e ao mesmo tempo sobre o impacto da sua descoberta sobre a obra da autora abolicionista, a qual homenageou com um cordel no livro Heroínas Negras Brasileiras: em 15 cordéis. A pesquisadora Luciana Martins Diogo, autora de um estudo sobre as obras Úrsula e A Escrava de Maria Firmina dos Reis, destacou a trajetória do Memorial de Maria Firmina dos Reis, que reúne materiais sobre a escritora e os organiza no site para melhor acesso a vida e obra da primeira escritora negra brasileira. Eduardo de Assis Duarte, professor e pesquisador coordenador do projeto LiterAfro da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), destaca a obra Úrsula que foi elencada à umas das leituras obrigatórias para o vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Segundo o professor, além de pioneira na literatura brasileira, Maria Firmina dos Reis possivelmente foi a primeira mulher a lançar um livro entre todos os países das Américas.

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