Interação museal com a comunidade é tema do primeiro dia do III Seminário Internacional de Mediação Cultural Sesc RJ e II Seminário Nacional Sesc de Arte Educação

Parceria entre Regional Rio de Janeiro e Departamento Nacional discute territorialidades e superação de fronteiras na mediação e na arte educação 

A interação dos museus com as comunidades de seu entorno e a acessibilidade na cultura para além das adaptações físicas foram os temas das duas primeiras mesas do III Seminário Internacional de Mediação Cultural Sesc RJ e II Seminário Nacional Sesc de Arte Educação, no Arte Sesc do Rio de Janeiro nesta quinta-feira, (7). O evento teve início às 10h30, com uma rápida apresentação da Gerente de Cultura do Sesc RJ, Christine Braga, que descreveu como é elaborada a programação: “Nosso seminário busca inspiração na política cultural do Sesc, que desde 2015 busca formas inovadoras de relação entre a sociedade e a cultura, com programações que disponibilizamos em nossos teatros, nas nossas galerias de arte, nas nossas bibliotecas, nos nossos pontos de leitura e nas nossas áreas de abrangência, como escolas e ruas”, detalhou.

Na sequência, o Analista de Artes Visuais e Arte Educação da Gerência de Cultura do Sesc RJ, Felipe Capello, subiu ao palco: “Inspirados na diversidade de territórios em que o Sesc está presente, este ano nosso desafio foi aproximar convidados que pudessem compartilhar experiências diversas com o objetivo de borrar fronteiras e construir pontes que permitam ao indivíduo se relacionar de forma mais crítica e criativa com a arte, a cultura e a sociedade”, observou. Capello foi secundado pelo Analista de Arte Educação do Departamento Nacional do Sesc, Leonardo Morais: “A política cultural do Sesc tem dois princípios centrais: os direitos culturais e a diversidade cultural. Compreendemos que a mediação cultural entre os públicos é força motriz de valores, significados, expressões e identidades produzidas pelas pessoas”.

O público que lotou o auditório da sede da Fecomércio RJ então assistiu a uma aula magna de cerca de uma hora do Professor Doutor Gabriel Chalita, escritor com doutorado em Comunicação e Semiótica e em Direito, abordando sua “pedagogia do amor” como ferramenta para transformação nos campos da Educação e da Cultura.

O educador, que já foi secretário de Educação no governo e no município de São Paulo, contou sobre seu trabalho de transformação da Febem (Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor) em Fundação Casa, lançando mão de linguagens artísticas como teatro, produção de um livro coletivo e música, com a inauguração de uma orquestra na unidade – que teria sido poupada até em uma rebelião: “Eles destruíram tudo na unidade, menos os instrumentos da orquestra”.

Sobre o envolvimento dos detentos, Chalita analisa que o encontro da Cultura com Educação foi responsável pelo bom resultado: “a Cultura revoluciona a Educação, eu quero tirar deles o que eles têm de melhor”.

Depois de responder a perguntas empolgadas da plateia, o paulista do Vale do Paraíba encerrou sua aula, e o evento fez uma pausa para o almoço.

 

É preciso sair do museu, é preciso entrar no museu

Na primeira mesa do simpósio, “Museu, território sem fronteiras?”, três experiências distintas de mediação cultural foram expostas: a carioca Priscilla Moret contou sobre os desafios de coordenar o Museu de Imagens do Inconsciente (MII), na Zona Norte do Rio de Janeiro, um antigo hospital psiquiátrico transformado em espaço de criação artística como terapia e reinserção dos pacientes ou “clientes, como chamava Nise da Silveira”.

Moret contou que a psiquiatra pioneira entendeu que as imagens produzidas pelos clientes atestavam que sua expressão criativa “se mantinha intacta mesmo quando a personalidade está desagregada”, e que ela obteve no meio da arte o reconhecimento que buscava na comunidade científica.

Em 2021, visando atrair um público maior e reduzir suas fronteiras com o entorno, o MII botou abaixo vários de seus muros: “Os muros físicos caíram, mas os estigmas, não” – lamentou a museóloga. – “Muitos ainda veem o museu como o ‘hospital dos malucos’. Pensando nisso, estamos buscando o público do entorno, parcerias com universidades, com o Caps (Centro de Atenção Psicossocial), e uma vez por mês fazemos o Sábado de Portas Abertas”, contou Moret.

Primeiro convidado internacional a falar no evento, o catalão Jordi Ferreiro, artista, educador e gestor cultural responsável pela Manifesta Bienal de Arte Nômade de Barcelona ponderou o papel dos museus e centros culturais: “Acredito que os museus e centros culturais transformam a sociedade, porque pude experimentar isso, já que era uma pessoa de classe média baixa, que não sabia se era gay ou hetero, e de repente encontrou um local de portas abertas onde pode simplesmente estar” – relatou.

Ferreiro contou sobre experiências em que trouxe para dentro do museu outras realidades: “É fora dos museus que está a novidade, o interessante, então fizemos uma ação em que pegamos a placa de uma escola e colamos na entrada do museu. Transformamos alguns espaços do museu em pátio da ‘escola’ . O café virou o refeitório escolar, e fizemos várias aulas com artistas que trabalhavam do tema da alimentação com essas crianças”, lembrou.

Em seguida, a baiana Cintia Maria, Diretora do Museu Nacional de Cultura Afrobrasileira (Muncab), analisou o conceito de “fronteiras”, explicando que rompê-las e subvertê-las é um desafio constante – e citou o premiado geógrafo Milton Santos: “O valor do indivíduo depende em larga escala do lugar onde está”.

Cintia falou, ainda, sobre a vocação do Muncab como ponto de resistência: “Tudo que está relacionado à cultura afrobrasileira sofre uma discriminação que tem início a partir do Estado brasileiro – denuncia. – O Muncab se coloca como um símbolo da luta pela preservação das memórias negras.”

“Muncab é o museu mais visitado no estado da Bahia, acabamos de contabilizar 200 mil visitantes” – disse, orgulhosa. – E encerrou sua fala com um apelo: “sonhemos, gente, porque o sonho não falha”, sendo muito aplaudida pelo público.

A mesa foi encerrada com a fala do veterano Paulo Knauss, Professor Doutor em História da UFF e sócio titular do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB).

“Todo museu é educativo” – refletiu –. “Todo museu é instrumento de mediação cultural. O IHGB é o que tem o item de acervo mais antigo do Brasil, um item colecionado em 1849, e incrivelmente ele é um museu muito pouco conhecido. “às vezes é preciso (o acervo) sair do museu, mas às vezes é preciso (o público) entrar no museu”.

 

“Inclusão não é rampa”

Na última mesa do dia, “Acessibilidade e acessos”, quatro palestrantes de territórios e linguagens artísticas bastante diversas contaram suas vivências e analisaram como o preconceito e a discriminação podem minar pontes e possibilidades ao longo da vida.

Abrindo o painel, a escritora, roteirista e pesquisadora de línguas Jama Wapichana falou sobre o livro “Guerreiras da Ancestralidade”, do coletivo Mulherio das Letras Indígenas, que além de Jama reúne mulheres indígenas de todo o país. O livro venceu a categoria Fomento à Leitura do Prêmio Jabuti em 2023.

Mencionando a aula magna de Gabriel Chalita, Jama leu um poema tenso sobre abuso sexual de mulheres e, abordando a tensão inerente à vida, provocou: “de manhã falamos muito sobre a pedagogia do amor, mas eu saí daqui depois de ouvir isso e discuti com o taxista, porque estava impaciente, então é difícil falar nessa pedagogia do amor”, causando o riso geral da plateia.

Na sequência, o ator carioca Bruno Ramos, que é surdo, iniciou sua fala em Língua Brasileira de Sinais, sendo traduzido ao vivo por uma intérprete. Professor de Libras da Universidade Federal Fluminense (UFF) contou sobre o processo criativo de sua peça de teatro, “Meu corpo está aqui”, que aborda várias deficiências, com um surdo, uma pessoa com nanismo, um cadeirante, um amputado e um intérprete: “Foi muito desafiador, porque sou muito visual, e os outros colegas não sabiam nada de língua dos sinais. Daí o intérprete em cena”.

Em seguida, Ramos exibiu um vídeo em que interpreta com sinais e forte carga emocional o Hino Nacional Brasileiro. E perguntou ao público: “Vocês sentiram a emoção? Os surdos têm uma emoção triplicada, quadruplicada quando assistem isso, busquei colocar mais emoção e menos Libras, e isso também mostra que temos a língua brasileira e a língua de sinais, são coisas diferentes”.

A próxima a palestrar foi a carioca Laís Lage, atriz com baixa visão. Lage contou experiências cênicas que têm realizado para subverter o formato tradicional, como um espetáculo do lado externo do teatro e que termina com uma imersão dos sentidos, com aromas e gostos que remetem a sua vida na Zona Oeste do Rio. Para Lage, “O teatro branco, cis(gênero), hetero não experienciava abrir para outros corpos, e meu encontro com essas outras pessoas na universidade me levou a pensar ‘não, então vamos (fazer isso) em coletividade’”.

A atriz confessou que, por ter deficiência adquirida ao longo da vida, e não congênita, ela mesma já nutriu preconceitos: “Como uma pessoa que já não tive deficiência, também enxergava a deficiência como um lugar de menos-valia“.

Segundo Lage, a peça “Ato 1: ensaio sobre uma atriz que está ficando cega”, escrita por ela, “não traz um lugar de falta, é uma peça sobre uma atriz ficando cega, mas que não está cabisbaixa, porque uma coisa não tem nada a ver com a outra”.

Encerrando o primeiro dia de seminário, o filósofo, ativista e consultor em capacitismo Marcelo Zig, baiano, analisou a condição interseccional de ser um homem negro retinto e cadeirante. “Sou uma pessoa com deficiência, ou como gosto de me apresentar, ‘PcD: preto com deficiência’”.

Zig criticou o reducionismo em torno do conceito de acessibilidade: “Quando falamos em acessibilidade, entende-se que é exclusivamente sobre dar acesso a pessoas com deficiência, mas acessibilidade não é só sobre construir rampa, acessibilidade é permitir essa troca”.

“Como homem negro eu identifico isso (…) como apartheid. A gente faz isso quando cria um espaço para que as pessoas com deficiências fiquem nesse ambiente, ou um atendimento prioritário que acaba criando uma fila de atendimento prioritário” – criticou. – E enquanto a pessoa com deficiência não gozar de autonomia não será inclusão, continuará sendo apartheid. Inclusão não é rampa.

O evento continua nesta sexta-feira (8), no Arte Sesc do Rio de Janeiro.

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