LGBTQI+

A literatura diz não à LGBTQIfobia

Neste 17 de maio refletimos sobre a luta LGBTQI+ e ouvimos falas de escritores sobre a literatura como ferramenta de resistência e luta por respeito e reconhecimento de direitos. 

Por Angelica Eichner, Marília Gorito, Paulo Machado e Vicente Costa
Profissionais das áreas de Biblioteca e Literatura

Dia 17 de maio é uma data histórica. Nesse dia é celebrado o Dia Internacional contra a LGBTQIFobia. A luta dos movimentos sociais trouxe uma conquista fundamental e alerta para a necessidade da conscientização, busca de igualdade de condições e respeito aos direitos sexuais e reprodutivos da comunidade LGBTQI+ ( a sigla é composta por duas partes, sendo que a primeira LGB trata da orientação sexual, enquanto a segunda TQI+ diz respeito ao gênero). Assim, é uma data que busca o destaque para a diversidade e fim de preconceitos.

No entanto, para que se fosse possível chegar ao momento atual, conquistando direitos e representatividade, foi necessário romper com um histórico de opressão e exclusão, materializadas como forma de resistência. Toda essa luta teve efeitos positivos e no dia 17 de maio de 1990 a Organização Mundial de Saúde (OMS) excluiu a Homossexualidade da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID).

No Brasil, em que pese o movimento LGBTQI+ historicamente faça um trabalho de luta para a garantia das igualdades constitucionais, apenas no ano de 2011 foi dado status jurídico a essas uniões afetivas por meio do julgamento no Supremo Tribunal Federal; e em 2013, o Conselho Nacional de Justiça editou uma resolução que permite os cartórios registrarem casamentos homoafetivos. Para além da livre manifestação de sua afetividade, as famílias homoafetivas ganham respeito aos seus direitos e podem exercer livremente sua afetividade.

A literatura, enquanto instrumento potente de redução de desigualdades, recebe o fluxo desses redesenhos sociais e jurídicos e apresenta uma série de obras que dialogam com a importância do reconhecimento de direitos, ao mesmo tempo, possibilitando a identidade pessoal.

Em especial, destacamos aqui três escritores contemporâneos: Amara Moira, Marlon Souza e Tobias de Carvalho, que, através de suas palavras, compartilham visões/vivências de resistência, capazes de derrubar mitos, preconceitos e de abrir caminhos para muites outres.

AMARA MOIRA

“[…] Sou tratada igual puta bem antes de me assumir puta, quase uma tatuagem na testa: bastou me verem travesti e já começou o assédio, assédio de que nunca tive notícia enquanto posava de homem”. Amara Moira é nascida e criada em Campinas, é travesti putafeminista, escritora, professora no Descomplica, colunista no BuzzFeed Brasil, Doutora em Crítica Literária pela Unicamp – título defendido em 2018, se tornando a primeira mulher trans a obter o referido título usando seu nome social. 

Lançou em 2016 o livro E Se Eu Fosse Puta, pela Hoo Editora, com base nas escritas em seu blog de quando estava em processo de transição de gênero e iniciando como prostituta, compartilhando ali sua experiência vivida  e reflexões que a atravessaram neste período, o olhar da travesti sobre a sociedade. 

Em 2017, foi lançado Vidas Trans: a Coragem de Existir, pela editora Astral Cultural, em co-autoria com João W. Nery, Márcia Rocha e T. Brant. A Editora Nós, em 2019, publicou a antologia Resistência dos Vaga-lumes, indo da prosa à poesia e trazendo, através dos 61 nomes representando as letras da sigla LGBTQ, a força e a diversidade da literatura brasileira atual. Já neste ano de 2021, um texto de sua autoria foi publicado em uma coletânea de contos inéditos da TAG Livros, com o tema “Partes de uma casa”. 

Na página 107 de seu livro, E Se Eu Fosse Puta, ela diz: 

“Comecei por safadeza mesmo, assumo, carência brutal, vontade que me desejassem pegassem, pagassem por mim, mas rapidinho vi que não era assim bom como eu sonhava e aí escrever sobre, poder escrever sobre, começou a ser razão de eu continuar. Hoje já nem sei mais se me prostituo pra escrever ou se escrevo pra me prostituir, essa é a verdade. Quantos vocês saberiam da vida por trás dos panos da profissão mais malfalada do mundo se não fosse por mim?[…]” 

Amara acredita que a literatura tem poder de causar transformação social e assim, cada vez mais seu livro, seus escritos, estão presentes em acervos de bibliotecas, de livrarias, em bibliografias básicas de diversas disciplinas em grandes universidades, espaços estes, infelizmente, ainda excludentes em que se vê muita luta diária para determinades escritores, determinadas escritas, conseguirem alcançar.

MARLON SOUZA

Marlon Souza é um jornalista e produtor cultural de 28 anos. Nascido em São João de Meriti, Baixada Fluminense, Marlon lançou seu primeiro romance, Às Vezes, em 2015. Além de romances, também escreve contos e crônicas. É produtor do Coletivo LiteraCaxias, e já organizou eventos literários em Duque de Caxias, Rio de Janeiro e São Paulo; também é editor da Revista Publiquei, colunista literário e mediador de leitura. 

Em seu novo livro, O Silêncio Que a Chuva Trazque será lançado pela Editora Malê no dia 5 de junho – Marlon fala de suas experiências como um homem negro e gay, que sofre com a homofobia não só do mundo externo, mas de dentro de seu próprio lar. A trajetória do protagonista que vive uma vida de adversidades e solidão é também marcada pela descoberta do amor próprio e uma rede de afeto e aceitação. Com seus romances Marlon busca apresentar histórias que o representem e que possam tocar outras vidas.

Leia abaixo o depoimento de Marlon:

“A vida pode ser muito cruel para quem não se encaixa em uma certa normalidade, dentro de um padrão que a sociedade diz ser o certo. Muito baseado em religiões antigas ou simplesmente no puro preconceito de não aceitar o diferente. Tratam tudo o que desvia de certo padrão como errado, transforma em pecado e condena almas que não buscam sequer por uma absolvição.

Somos alvo dessa crueldade antes mesmo de nos entendermos como gays. Antes de saber o que é ser gay, somos julgados, condenados e recebemos como sentença a versão mais terrível da humanidade. Reduzem nossa existência, buscam tirar nossa humanidade, furtam nosso direito de ter uma vida plena e feliz. Tudo o que nos é oferecido muita das vezes é o ódio, o rancor e crescemos convivendo com diversas agressões. Seja dentro do próprio lar, na nossa comunidade, em um templo religioso.

Lutar deveria ser sinônimo da comunidade LGBT+, porque, desde o nosso nascimento, somos obrigados a enfrentar uma batalha. Uma luta contra o preconceito, contra o ódio, contra a intolerância. Contra a homofobia. Lutamos pelo simples direito de podermos SER, no sentido mais amplo da palavra. Poder ser livre, ser feliz, ser humano. Buscamos uma humanidade que tentam nos tirar todos os dias. Não nos respeitam nem em nosso leito de morte, como um certo pastor, meses atrás orou pela morte do ator Paulo Gustavo, revelando publicamente o ódio que diversos outros líderes religiosos pregam dentro dos seus templos.

Eu também cresci cercado desse ódio. Um garoto negro, da Baixada Fluminense, criado dentro de templos religiosos desde o meu nascimento. Perdi as contas de quanto me odiei, por ouvir que eu deveria me odiar. Lutei contra mim mesmo até eu chegar a exaustão e perceber que essa luta estava perdida, que eu estava forçando um lado errado. Não era eu o pecaminoso, não era eu o merecedor da morte e sim aqueles que odiavam tudo em mim.

Então surge a literatura na minha vida. Um garoto negro, periférico, em uma cidade em que a literatura é pouquíssima valorizada, que quase não há incentivo a leitura. Nos livros eu pude sonhar, pude escapar dessa realidade tão cruel em que fui inserido. Nos livros encontrei um novo sentido e uma permissão para ser eu mesmo. Ali, no meio daquelas histórias pude ser realmente eu. Assim como James Baldwin, um escritor negro e gay, que publicou seus livros na década de 50, mostrando a sua realidade. Bem como David Levithan que traz histórias leves, mas com uma força indescritível como um simples beijo entre dois garotos.

A literatura me libertou, e, ao encontrar, nas páginas dos livros, personagens gays, bissexuais, transsexuais (etc.) me trouxe conforto, me trouxe uma sensação de pertencimento, que as pessoas à minha volta não me deram. Permitiram que eu me sentisse mais humano, me trouxe acolhimento e no meio dessa literatura dita como LGBTQIA+, eu pude me libertar, me libertar de crenças que só me afastavam de quem de fato eu sou. Quando penso em literatura, em autores gays que dão protagonismo a pessoas gays, não estão trazendo só uma identificação, mas sim, reafirmando nossa humanidade.”

TOBIAS CARVALHO

“Os personagens vivem as coisas, e é assim que é”. Palavras do Tobias Carvalho, jovem escritor gaúcho, em entrevista para o jornal Folha de São Paulo, sobre o seu livro de estreia, intitulado As Coisas. O autor, vencedor do Prêmio Sesc de Literatura de 2018 na categoria contos, traz ao longo de 23 breves histórias, narrativas que permeiam o universo de um jovem gay em sua cidade natal, o cotidiano e seus acontecimentos através da perspectiva da sexualidade e também através da vivência da geração atual e sua interação com a internet, redes sociais e aplicativos de encontros. 

Segundo Tobias, sua obra mostra os cenários corriqueiros como um painel da vida gay-jovem na Porto Alegre dos anos 2010, ilustrada através de seus afetos, suas dores e seus perigos. Naturalizando relações entre homens e se dedicando a mostrar as suas particularidades, Tobias compôs As Coisas inspirado em experiências pessoais e de amigos, numa perspectiva para além da descoberta da sexualidade, mas da rotina das relações do dia a dia.

Em entrevista a Editora Record, o escritor responde sobre a importância da literatura no combate à homofobia, levando em consideração que suas narrativas são ambientadas na região mais conservadora do país, o Sul do Brasil:

“Eu nasci e vivo desde então em Porto Alegre. Seria difícil ambientar minhas histórias em outro lugar, mas sim, vivemos um momento em que o conservadorismo aqui está em alta. Gosto de pensar que é uma reação às conquistas que tivemos. De um jeito ou de outro, não vamos deixar de existir, e é bom que deixemos isso bem claro. Acredito que a escassez de público leitor no Brasil tem muito a ver com essa onda conservadora. As histórias nos conectam com as pessoas, suprimem barreiras, nos permitem a identificação com personagens que pouco têm a ver conosco. Se a literatura pode oferecer empatia, ela já faz muito!”

INDICAÇÕES LITERÁRIAS

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