II Seminário Internacional de Mediação Cultural Sesc RJ

Seminário Internacional de Mediação Cultural do Sesc RJ: Cosmogonias e a arte educadora conduzem último dia do evento

Último dia do II Seminário Internacional de Mediação Cultural do Sesc RJ abordou a cultura como instrumento de luta de grupos silenciados.

O II Seminário Internacional de Mediação Cultural do Sesc RJ se despediu da unidade Flamengo com um dia cheio de reflexões sobre mitos, éticas e práticas de grupos historicamente apagados e silenciados no Brasil.

Pela manhã, Luiz Rufino, professor da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense (FEBF) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da Pós-Graduação em Educação, Cultura e Comunicação em Periferias Urbanas, conversou com o artista plástico Cipriano, Membro do Museu de Memória Negra de Petrópolis, sobre “Cosmogonias e ancestralidade”.

Rufino abriu sua fala contando sua origem, com pais cearenses, e sua infância de quintal no bairro de Madureira, subúrbio do Rio. Na retrospectiva, contou que quando o pai resolveu visitar o Ceará novamente, depois de décadas, ele foi junto e essa viagem o transformou.

“Conheci o aboio, que é a rítmica que os vaqueiros fazem para se comunicar com o gado. Quando perguntei para um vaqueiro se ele falava com os bois ele disse que não falava a língua do boi, mas falava a língua da terra, do chão, e o boi também falava a língua do chão. Um senhor de 80 anos me falou isso” – recordou. “E com o tempo entendi que todas as comunidades do mundo encontraram maneiras de narrar a vida. Cosmogonia são narrativas que explicam o mundo” – emendou.

Entoando um ponto de saudação a Oxóssi, o artista Cipriano saudou com “Saravá!” os presentes “visíveis e invisíveis” e começou sua fala.

No telão, exibiu fotos de referências “caboclas e caboclos” que o guiaram nas artes visuais, como Célia Félix Calaça, Muniz Sodré, Eduardo Oliveira, Renata Aquino e Ailton Krenak.

Sobre ancestralidade, tema introduzido por Rufino, Cipriano opinou com filosofia: “Ancestralidade é essa água que tem no nosso corpo e é ad continuum”.

Enquanto o petropolitano exibiu obras de diversos artistas plásticos negros que vieram antes e depois dele, jogava ao público com naturalidade frases que pareciam saídas de ensaios, como “As artes são essas tecnologias de comunicação com o invisível”.

Cipriano também falou da forte relação da sua arte com a umbanda, e terminou sua fala puxando um ponto sobre Oxalá.

Perguntado por um estudante adolescente na plateia sobre o que significa “saravá”, Cipriano explicou ser uma saudação da umbanda. Rufino elogiou a pergunta ao aluno e arrematou: “isso é mediação cultural”.

Com mediação de Ademildes Filho, Analista de Arte Educação do Departamento Nacional do Sesc, a conversa passou por temas como decolonização e sequestro de povos e narrativas.

“O Brasil é uma encrenca, tipo aquelas quizombas de família, sabe? Precisa de muito trabalho feito para ajudar só para abrir os caminhos”, resumiu Rufino.

MITOS GUARANIS, PERFORMANCE NEGRA, IMAGENS E MÚSICA COMO RESISTÊNCIA
Na última mesa do Seminário, o público ouviu os depoimentos de três artistas negros e um indígena Guarani sobre suas artes e estratégias de resistência em um meio ainda muito restrito a brancos.

Online direto de Londres, o artista visual, escritor e dramaturgo Yhuri Cruz participou no telão da mesa “O artista enquanto educador ou a imagem como ferramenta de luta”.

“Meu trabalho tem sido uma pesquisa que nomeio ‘Pretofagia, cenas de emancipação’” – contou. “O que mais quero emancipar é a minha imaginação. Mas como consigo me emancipar de algo culturalmente construído e cristalizado? Algo que é fruto de [imagens de] arquivo, do entretenimento que vemos no dia a dia… fruto da cultura.”

Cruz observou que “a arte contemporânea costuma ser um espaço esvaziado. As exposições, mesmo as mais famosas, são espaços esvaziados, os museus são. Aí a gente chega ao papel do artista que está interessado em dialogar com as massas. Eu estou.”

O artista lembrou que conseguiu esse diálogo quando a cantora Linn da Quebrada apareceu no Big Brother Brasil vestindo camiseta estampada com sua obra, e que quando algo assim acontece “se atinge uma grande massa”. A obra em questão era “Anastácia Livre”, em que Yhuri editou digitalmente a famosa imagem da escravizada Anastácia, de Minas Gerais, obrigada a usar uma máscara de flandres por toda a vida. Na releitura, a máscara deu lugar a lábios em um meio-sorriso tranquilo.

COMIDA PARA A ALMA
Em seu segundo dia de participação no evento, a artista visual, pesquisadora e educadora paulistana Renata Felinto abriu sua fala pedindo uma salva de palmas para Danilo Miranda, diretor por quase 40 anos do Sesc SP, que faleceu em 29 de outubro. “O Sesc virou referência mundial, e muitas vezes faz o papel das secretarias de Cultura – na pandemia, fez o papel do Ministério da Cultura, que não existia” – elogiou.

Se a mesa pretendia abordar a imagem como ferramenta de luta, Felinto veio pronta: “Como diz Ailton Krenak, nós estamos em guerra. E eu estou com a minha lança epistemológica para colaborar nessa batalha”, provocou.

A artista falou sobre seu processo de trabalho, majoritariamente performances, em que diferentes comidas comida para falar de temas como apagamento da negritude e de figuras negras, afeto entre negros e renascimento, entre outros.

O DJ carioca-soteropolitano Africanoise contou, em seguida, sobre como construiu seu som eletrônico inspirado no terreiro de candomblé da própria família, onde cresceu.

“Quando contei que queria fazer música eletrônica, minha mãe reclamou: ‘poxa, vai tocar essa música de branco?!’” – lembrou. O DJ logo esclareceu que seu som teria inspiração nos tambores negros.

“O tambor é o primeiro wi-fi do mundo. É o primeiro instrumento de comunicação dos povos africanos, e povos do mundo inteiro. Cada lugar tem seu tambor específico” – explicou.

Se a performance é a lança de Renata Felinto, a imagem em massa é a de Yhuri Cruz e a picape é a de Africanoise, o último convidado a se apresentar usa as telas e os pincéis para resistir com poesia. Xadalu Tupã Jekupé, indígena Guarani de Alegrete (RS), iniciou sua fala contando sobre a dor de sair da Terra Indígena Ararenguá e ir para a capital Porto Alegre.

“Eu era pequeno e foi muito difícil viver na rua, comer comida do lixo” – lembrou, em tom solene. Em seguida, Jekupé passou a exibir suas obras, quase sempre inspiradas na cosmologia Guarani. As imagens ilustravam lendas sobre a origem do mundo e temas ligados à natureza.

Em falas críticas, o artista falou sobre a ignorância, “no sentido de falta de conhecimento e informação, mesmo, de quem diz que ‘índio não deveria ter celular’”. E mostrou obras mais contundentes, como uma em que indígenas de diversas idades, mulheres e homens, aparecem em uma foto preto e branco vestido coletes à prova de bala – mesmo crianças de colo.

“Houve um ataque na retomada Guarani da aldeia Ponta do Arado [Porto Alegre, RS]. Milicianos deram tiros em barracas, mandaram todos se abraçarem e mandaram o cacique dizer suas últimas palavras, ou eles matariam todos. O cacique respondeu que é fácil apontar armas para quem não está armado, e disse que podiam matá-lo, mas não matariam nas coisas que acredita, como a Lua e as estrelas. Eles baixaram as armas e desistiram” – lembrou. “Nessa obra, então, usei essa montagem para pôr coletes a prova de balas em todos.

A mesa foi oficialmente encerrada com a fala da Gerente de Cultura do Sesc RJ, Christine Braga. Após agradecer a todos os presentes, aos convidados e a toda a equipe do Sesc, enfatizou o principal objetivo do Seminário: “O Sesc é uma instituição voltada ao bem-estar de todos, e a Cultura e a Educação estão aí por uma sociedade mais aberta e diversa. É muito importante parar alguns dias e trocar ideias e pensar como contribuir para esse mundo ficar menos careta. Esperamos todos aqui ano que vem para o III Seminário Internacional de Mediação Cultural do Sesc RJ”.

O evento, que ao longo de quatro dias reuniu mais de 30 palestrantes do Brasil e do mundo, terminou com um animado coquetel ao som eletrônico (e preto) do DJ Africanoise.

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