
Ancestralidade e Temporalidades
TRAVESSIAS
Não estamos no mesmo barco.
O mar remete à imensidão por onde transitamos, nos banhamos e buscamos alimento. O Oceano Atlântico é um lugar marcante para o Brasil que conhecemos hoje: da terra, os povos originários viram surgir caravelas e navios negreiros; pelo mar, africanos foram trazidos à força para um território desconhecido sob o regime escravocrata. Enquanto os portugueses, mesmo perdidos, sabiam o que queriam com a expedição colonial, os povos indígenas, de diversas etnias e culturas, navegavam por essas águas com respeito e encantamento.
As canoas são mais do que simples embarcações; são instrumentos de conexão com a comunidade, a natureza e o desconhecido. Para etnias como os povos Tupinambás e Tupiniquins, a canoa representa um profundo respeito pelo meio ambiente, sendo meticulosamente esculpida de troncos de árvores como o jatobá ou a samaúma. Em um mundo onde as viagens europeias simbolizavam colonização e opressão, as canoas indígenas representavam liberdade e autonomia.
Diante o mar de desafios do nosso tempo histórico atual, a canoa aqui nos serve como uma poderosa metáfora para a necessidade de reaprendermos tecnologias ancestrais para resolução dos problemas contemporâneos. Entre caravelas e navios negreiros, vamos de canoa?
[Concepção e texto | obirin odara, 2024]
CÁPSULA DO TEMPO
Enquanto estou cozinhando arroz em fogo baixo, me pego tomada por uma lembrança. Viajo no tempo… rio com a memória, me distraio. Ao voltar, percebo que fui para outro lugar: o arroz queimou! Em quantos lugares um mesmo corpo consegue estar? Cada lugar possui seu próprio tempo? O tempo da memória é mais devagar que o tempo do fogo? E quando estou fora, quanto tempo passou?
Provavelmente você já viajou no tempo, mesmo que não tenha percebido. Nessa cápsula, a ideia é observar o tempo de fora, ainda que estejamos dentro dele. Aqui, vamos perceber como a nossa noção comum sobre o tempo é fruto da colonização, ao pensar que ele é uma linha reta que deve ser percorrida com ansiedade rumo ao futuro. Ao sair, reflita: o passado está sempre atrás e o futuro a frente, ou tudo pode se mover em diversas direções? Em quantos tempos você já esteve simultaneamente?
[Concepção e texto | obirin odara, 2024]
BAOBÁ
Sentar-se aos pés de uma árvore é uma prática ancestral. Os baobás foram trazidos por africanos e estão em vários lugares no sudeste, centro-oeste e nordeste brasileiro. Apesar da colonização tentar nos esvaziar, nós guardamos sabedorias e as levamos com a gente para onde formos, pois todo corpo guarda um pouco de casa.
O baobá é mais do que uma árvore; é um símbolo de resistência e conexão com nossas raízes. Na cosmopercepção africana e pindorâmica, a palavra tem um poder sagrado, e a prática de sentar em roda, escutando os mais velhos e os mais novos, é uma forma vital de transmitir conhecimentos e experiências. Para saudar e reconhecer a importância da diáspora africana, ainda que aqui estas folhas não sirvam para fazer sopa, tampouco tenham nutrientes, como as de um baobá vivo e verdadeiro, a sua representação simboliza a importância de não nos esquecermos de onde viemos e do que nos conecta à nossa comunidade: a saliva, a terra e as nossas histórias.
[obirin odara, 2024]